Uma pesquisa mostra a real situação das favelas fora das propagandas...
Como as comunidades de favelas do Rio de Janeiro estão encontrando formas alternativas de integração, socialização e regeneração social capazes de romper as barreiras da exclusão e da marginalização? Desvendar essas formas de sociabilidades foi o objetivo de pesquisa lançada nesta quinta feira , no Rio, durante o Seminário Internacional “Sociabilidades Subterrâneas: Identidade, cultura e resistência em comunidades marginalizadas”. No dia 2 de novembro, haverá o lançamento do estudo em Londres.
A pesquisa envolveu interlocutores em universidades, movimentos sociais, governo e iniciativa privada e foi desenvolvida pela London School of Economics and Political Science (LSE), com apoio da Representação no Brasil da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em parceria com AfroReggae e a Central Única das Favelas (CUFA). O estudo e os seminários foram viabilizados pelo Itaú Cultural e pela Fundação Itaú Social.
O lançamento contou com a presença da coordenadora do estudo, a pesquisadora chefe e diretora do Mestrado em Psicologia Social da LSE, Sandra Jovchelovitch, de especialistas nacionais e internacionais em segurança pública e direitos humanos, além de lideranças de ONGs e autoridades do governo federal e do estado Rio de Janeiro.
O projeto compreendeu uma investigação do mundo da vida da favela, por meio de entrevistas com 204 moradores das comunidades do Cantagalo, Cidade de Deus, Madureira e Vigário Geral. Também envolveu um estudo sobre as organizações AfroReggae e CUFA, com a análise de 130 projetos de desenvolvimento social e entrevistas com suas lideranças, além de uma avaliação com especialistas, observadores e parceiros das duas entidades no Rio de Janeiro, tendo como especial ênfase a polícia.
O estudo traz luz às chamadas sociabilidades subterrâneas das favelas, as formas de vida social que fazem parte do cotidiano da sociedade brasileira, mas permanecem invisíveis devido a barreiras geográficas, econômicas, simbólicas, comportamentais e culturais. A pesquisa descobriu que essas sociabilidades subterrâneas são caracterizadas por um quadro institucional complexo, marcado pela família, pelo narcotráfico, pela ausência do Estado, com a polícia sendo sua única face e relacionada ao tráfico de drogas, as igrejas e as ONGs, como o AfroReggae e a CUFA.
O movimento das favelas cariocas Atualmente, quando se fala tanto em urbanização das favelas, quase ninguém imagina que o problema não foi sempre encarado dessa forma. Historicamente, a política voltada para os pobres no Rio de Janeiro via uma única solução: a remoção, o afastamento dos centros urbanos. Foi nesse contexto que foram construídas Vila Kenedy, Antares e a tristemente famosa Cidade de Deus. As coisas começaram a mudar no final dos anos 70, quando os movimentos de favelas conquistaram um lugar na cena pública. A urbanização dos morros do Cantagalo e Pavão- Pavãozinho foi um marco.
Pela primeira vez o Estado admitiu urbanizar a favela sem removê-la, mantendo sua tipologia. Ainda na década de 80 surgiu o mutirão comunitário, experiência que constituiu as bases para a implantação do Programa Favela-Bairro, reconhecido como um dos melhores programas do mundo em termos de urbanização de áreas carentes. Desde sua criação, em 1993, o Favela-Bairro já beneficiou, entre obras concluídas e em andamento, 557 mil moradores de 143 comunidades.
Mesmo assim, e apesar de as favelas terem ocupado definitivamente o cenário carioca, como constata o arquiteto Itamar Silva, do Ibase, o preconceito que havia no início do século passado permanece. A prova é o relato produzido por um jornalista que visitou o Morro da Favella em 1909. Ele registra o medo e o estranhamento que até hoje são provocados pelos imensos aglomerados que povoam os morros cariocas.
Sustentabilidade O Pouso foi concebido há dez anos com a missão de criar condições para a consolidação das favelas como novos bairros integrados à cidade legal. Como se constatou que as iniciativas para a urbanização registradas ao longo da história se perderam por falta de continuidade e acompanhamento, em 1996 começaram a ser criados postos descentralizados da prefeitura nas favelas, para assegurar a manutenção dos equipamentos instalados, cuidar da articulação com a rede de serviços públicos e planejar o crescimento. " Raramente as autoridades se preocupam em monitorar a evolução das áreas beneficiadas, assegurando a sustentabilidade.
Esse foi o grande mérito do Pouso", diz a arquiteta e urbanista Marlene Fernandes, assessora internacional do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), uma das instituições que integram o Fórum Ibero-Americano e do Caribe sobre Melhores Práticas. O primeiro resultado visível desse movimento surgiu em 2003, com a criação da Coordenadoria de Regularização Urbanística, encarregada de planejar, licenciar e fiscalizar a chamada cidade informal, que inclui as favelas e os loteamentos irregulares. "Até então, a Secretaria Municipal de Urbanismo não entrava em favela. Mas as habitações irregulares respondem por 40% das construções no Rio de Janeiro e é impossível ignorá-las.
O Pouso deixou de ser apenas um braço educativo do Programa Favela- Bairro e passou a atuar de forma independente, combinando educação com normatização e fiscalização", diz Alfredo Sirkis, secretário municipal de Urbanismo. Retirar as favelas da informalidade é o principal objetivo do Pouso. Para isso, o programa investe na regularização urbanística dos assentamentos precários. A Coordenadoria de Regularização Urbanística estabele e normas para as construções e limites para o crescimento - vertical e horizontal. Aprovada a legislação, a concessão da certidão do Habite-se é o último estágio para a consolidação da nova ordem urbanística. O documento atesta que a construção é regular, facilita a obtenção do título de propriedade, permite que o imóvel seja inscrito no Registro Geral de Imóveis (RGI) e seja vendido legalmente.
RealizaçãoMais
de 15 mil moradores de Fernão Cardin e da Quinta do Caju já tiveram
suas moradias regularizadas. A carioca Iraydes Pinheiro Henrique,
presidente da associação de moradores da Quinta do Caju há 18 anos,
recebeu o Habitese em dezembro de 2004. Onze meses depois obteve o
título de propriedade de seu imóvel. Ela conta sua longa saga em poucas
palavras:"Meu pai veio morar na Quinta do Caju em 1940. Durante quatro
décadas lutou para regularizar a situação. Por suas reivindicações, nos
anos 50 quase fomos expulsos de casa. Mas eu não desisti da luta e
consegui realizar seu sonho.
A maior vitória da minha vida de líder comunitária foi ver os
moradores daqui receberem a certidão de Habite-se e o título de
propriedade. Estamos vivendo um momento histórico". Outro caso é o de
Marluce de Oliveira. Ela ainda luta. Há cerca de 80 anos seu bisavô
construiu uma casa de madeira na Quinta do Caju que, sem manutenção,
tornou-se pouco segura. A casa foi posta abaixo e em seu lugar foi
construída uma nova, de alvenaria - obra que está quase pronta.
"Construir uma nova casa era um desejo antigo. Decidi transformá-lo em
realidade quando a obtenção do Habite- se passou a ser uma possibilidade
concreta.
Deixar de viver na ilegalidade significa muito para mim e para todos os moradores da comunidade", diz. Com 843 domicílios e cerca de 2, 5 mil habitantes, a Quinta do Caju, situada na zona portuária, foi uma das cinco primeiras favelas da capital fluminense. No início do século XIX, era uma quinta à beira da praia do Caju e, por indicação médica, dom João VI chegou a banhar-se ali algumas vezes. Nessas ocasiões, o rei freqüentava a casa da família Tavares Guerra, hoje Museu da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb).
Os primeiros habitantes da praia eram pescadores portugueses. Suas casas foram construídas na orla e havia um caminho que circundava o morro, a atual Rua Circular. Como se vê, muita coisa mudou. Primeiro para pior. Mais recentemente para melhor. A área foi se degradando com o passar dos anos e se tornou um ambiente insalubre. "Antes das obras de urbanização, havia uma vala na porta da minha casa.
Nos últimos anos, nossa qualidade de vida deu um salto muito grande. Somos mais respeitados", diz Ida Marquechi Medina, de 86 anos, uma das moradoras mais antigas da Quinta do Caju. Criado em 1997, o Pouso que atende à comunidade também cuida das favelas de Parque Conquista, Parque São Sebastião, Vila Clemente Ferreira, Ladeira dos Funcionários e Parque Boa Esperança.
Vista para o marNa comunidade de Morro Azul, no Flamengo, há outro posto. O aglomerado de casebres começou a se formar por volta de 1936, quando famílias chegaram do Nordeste e de outros municípios do Rio de Janeiro em busca de trabalho e se instalaram ali. Não havia energia elétrica. Muito menos água encanada. Só mato e lama. O morro sofreu um incêndio em 1957 e a comunidade foi ameaçada pelas obras do metrô nos anos 70, mas terminou por se consolidar. Hoje, com 332 domicílios, abriga cerca de 990 moradores. A costureira Francisca Balduíno Pinto, de 66 anos, 21 na comunidade, mora com a família numa casa de quatro pavimentos, cuja cobertura foi reformada recentemente com o apoio dos técnicos do Pouso. A vista que a família Balduíno Pinto tem da praia do Flamengo, lá de cima, é de fazer inveja a muitos moradores de apartamentos da zona sul carioca. "Nossa realidade mudou muito.
Quando preciso realizar alguma obra em minha casa, a primeira coisa que faço é procurar o Pouso, onde sou bem recebida", diz dona Zula, apelido pelo qual a costureira é mais conhecida. O Pouso não realiza obras. Oferece orientação técnica para quem deseja erguer ou reformar sua casa. Também não mantém um programa habitacional. Promove a regularização urbanística. Mas isso não impede que seus funcionários sirvam de ponte entre os moradores e o programa de Crédito Direto ao Consumidor para a Compra de Material de Construção (Credmac), da Caixa Econômica Federal. Trabalham na mobilização da comunidade 17 assistentes sociais, 17 agentes supervisores e 33 agentes comunitários - apenas três homens.
Três
momentos no Morro Azul: em sentido horário, dona Zula e a vista de sua
"cobertura"; placas indicam logradouros oficializados; e crianças em
ruas urbanizadas
A equipe atua na rua, atendendo a solicitações dos moradores e
organizando reuniões e palestras, inclusive em escolas. Os assuntos são
discutidos de forma participativa. Um exemplo: para a escolha de nomes
de ruas e praças, funcionários da prefeitura e moradores elaboram uma
lista que é submetida à votação na comunidade. Até fevereiro deste ano,
1.253 logradouros de 32 comunidades haviam sido legalizados. "O Pouso
consiste numa prática de gestão democrática da cidade, de inclusão
territorial.
A grande questão é o reconhecimento desses espaços informais como
parte do território da cidade", explica a secretária Nacional de
Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Raquel Rolnik. Como muitos
programas exemplares mantidos no Brasil, o Pouso enfrenta lá seus
percalços. Um deles, citado pelo secretário Sirkis, são as dimensões
gigantescas do problema. Pelas suas contas, serão necessários pelo menos
15 anos para que se possa constatar uma mudança profunda no ambiente
urbano carioca.
Outro problema é a falta de recursos. "As prefeituras brasileiras são
as que têm o maior volume de atribuições na América Latina, mas nem
todas têm recursos para realizá-las", diz o economista Alberto Paranhos,
oficial principal da Representação para a América Latina e o Caribe do
Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (UN-Habitat). De
fato, os indicadores sociais do Rio de Janeiro melhoraram, mas a cidade
caiu no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano dos municípios
brasileiros.
"Considerando que as favelas são muito dinâmicas e mudam quase que diariamente, como política pública o Pouso ainda apresenta resultados pequenos", diz o arquiteto Itamar Silva, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e ex-presidente da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj). Os problemas, no entanto, não impedem que o movimento cresça. Cinco novos postos do Pouso deverão ser criados ainda neste primeiro semestre. "Enfrentamos muitos obstáculos.
Mais: segundo dados da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, estão em pleno andamento processos de regularização fundiária solicitados por 352 mil famílias de 360 comunidades residentes em 134 municípios brasileiros. Moral da história: o problema é imenso, mas, enquanto a solução definitiva não chega, e ninguém sabe se ela virá algum dia, tem muita gente fazendo trabalho de formiguinha e melhorando a vida daqueles que foram empurrados para fora dos limites oficiais da cidade.
Fonte: Cide-RJ
O Brasil é internacionalmente conhecido por seu futebol, seu
Carnaval, suas praias e, infelizmente, por suas favelas. De acordo com o
Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
no final do século XX o país tinha 3.905 favelas - 22,55% mais do que o
registrado em 1991. O tema continua na pauta do dia. Há anos os
noticiários de TV mostram cenas de combate nos morros do Rio de Janeiro -
onde 19% dos habitantes vivem em cerca de 750 favelas. . As mazelas,
mal ou bem, são conhecidas.
Tânia
Castro, coordenadora do Pouso, e um arquiteto caminham pela ruas da
Quinta do Caju, onde mais de 15 mil moradores já obtiveram o Habite-se
Concorreu com 162 projetos de 14 países e 72 cidades. Além do prêmio
de 10 mil dólares, a prefeitura se classificou para a final do Prêmio
Dubai 2006, uma espécie de copa do mundo da administração pública que
ocorre a cada dois anos. Técnicos da prefeitura de Medellín, na
Colômbia, já anunciaram que pretendem implantar ainda neste ano um
projeto piloto similar ao Pouso na comunidade de Moravia.
E a experiência deve ser replicada também no Peru. No ano passado, o ministro da Habitação, Construção e Saneamento do país, Carlos Bruce, visitou o Morro do Borel, e a comunidade Quinta do Caju - ambos beneficiados pelo Pouso. "Esse trabalho é magnífico por sua grandiosidade e complexidade, e vai mudar completamente o perfil da favela, facilitando o dia-a-dia de seus moradores. Meu objetivo é levar essa experiência bem-sucedida para meu país", disse na ocasião.
Como as comunidades de favelas do Rio de Janeiro estão encontrando formas alternativas de integração, socialização e regeneração social capazes de romper as barreiras da exclusão e da marginalização? Desvendar essas formas de sociabilidades foi o objetivo de pesquisa lançada nesta quinta feira , no Rio, durante o Seminário Internacional “Sociabilidades Subterrâneas: Identidade, cultura e resistência em comunidades marginalizadas”. No dia 2 de novembro, haverá o lançamento do estudo em Londres.
A pesquisa envolveu interlocutores em universidades, movimentos sociais, governo e iniciativa privada e foi desenvolvida pela London School of Economics and Political Science (LSE), com apoio da Representação no Brasil da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em parceria com AfroReggae e a Central Única das Favelas (CUFA). O estudo e os seminários foram viabilizados pelo Itaú Cultural e pela Fundação Itaú Social.
O lançamento contou com a presença da coordenadora do estudo, a pesquisadora chefe e diretora do Mestrado em Psicologia Social da LSE, Sandra Jovchelovitch, de especialistas nacionais e internacionais em segurança pública e direitos humanos, além de lideranças de ONGs e autoridades do governo federal e do estado Rio de Janeiro.
O projeto compreendeu uma investigação do mundo da vida da favela, por meio de entrevistas com 204 moradores das comunidades do Cantagalo, Cidade de Deus, Madureira e Vigário Geral. Também envolveu um estudo sobre as organizações AfroReggae e CUFA, com a análise de 130 projetos de desenvolvimento social e entrevistas com suas lideranças, além de uma avaliação com especialistas, observadores e parceiros das duas entidades no Rio de Janeiro, tendo como especial ênfase a polícia.
O estudo traz luz às chamadas sociabilidades subterrâneas das favelas, as formas de vida social que fazem parte do cotidiano da sociedade brasileira, mas permanecem invisíveis devido a barreiras geográficas, econômicas, simbólicas, comportamentais e culturais. A pesquisa descobriu que essas sociabilidades subterrâneas são caracterizadas por um quadro institucional complexo, marcado pela família, pelo narcotráfico, pela ausência do Estado, com a polícia sendo sua única face e relacionada ao tráfico de drogas, as igrejas e as ONGs, como o AfroReggae e a CUFA.
O movimento das favelas cariocas Atualmente, quando se fala tanto em urbanização das favelas, quase ninguém imagina que o problema não foi sempre encarado dessa forma. Historicamente, a política voltada para os pobres no Rio de Janeiro via uma única solução: a remoção, o afastamento dos centros urbanos. Foi nesse contexto que foram construídas Vila Kenedy, Antares e a tristemente famosa Cidade de Deus. As coisas começaram a mudar no final dos anos 70, quando os movimentos de favelas conquistaram um lugar na cena pública. A urbanização dos morros do Cantagalo e Pavão- Pavãozinho foi um marco.
Pela primeira vez o Estado admitiu urbanizar a favela sem removê-la, mantendo sua tipologia. Ainda na década de 80 surgiu o mutirão comunitário, experiência que constituiu as bases para a implantação do Programa Favela-Bairro, reconhecido como um dos melhores programas do mundo em termos de urbanização de áreas carentes. Desde sua criação, em 1993, o Favela-Bairro já beneficiou, entre obras concluídas e em andamento, 557 mil moradores de 143 comunidades.
Mesmo assim, e apesar de as favelas terem ocupado definitivamente o cenário carioca, como constata o arquiteto Itamar Silva, do Ibase, o preconceito que havia no início do século passado permanece. A prova é o relato produzido por um jornalista que visitou o Morro da Favella em 1909. Ele registra o medo e o estranhamento que até hoje são provocados pelos imensos aglomerados que povoam os morros cariocas.
Sustentabilidade O Pouso foi concebido há dez anos com a missão de criar condições para a consolidação das favelas como novos bairros integrados à cidade legal. Como se constatou que as iniciativas para a urbanização registradas ao longo da história se perderam por falta de continuidade e acompanhamento, em 1996 começaram a ser criados postos descentralizados da prefeitura nas favelas, para assegurar a manutenção dos equipamentos instalados, cuidar da articulação com a rede de serviços públicos e planejar o crescimento. " Raramente as autoridades se preocupam em monitorar a evolução das áreas beneficiadas, assegurando a sustentabilidade.
Esse foi o grande mérito do Pouso", diz a arquiteta e urbanista Marlene Fernandes, assessora internacional do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), uma das instituições que integram o Fórum Ibero-Americano e do Caribe sobre Melhores Práticas. O primeiro resultado visível desse movimento surgiu em 2003, com a criação da Coordenadoria de Regularização Urbanística, encarregada de planejar, licenciar e fiscalizar a chamada cidade informal, que inclui as favelas e os loteamentos irregulares. "Até então, a Secretaria Municipal de Urbanismo não entrava em favela. Mas as habitações irregulares respondem por 40% das construções no Rio de Janeiro e é impossível ignorá-las.
O Pouso deixou de ser apenas um braço educativo do Programa Favela- Bairro e passou a atuar de forma independente, combinando educação com normatização e fiscalização", diz Alfredo Sirkis, secretário municipal de Urbanismo. Retirar as favelas da informalidade é o principal objetivo do Pouso. Para isso, o programa investe na regularização urbanística dos assentamentos precários. A Coordenadoria de Regularização Urbanística estabele e normas para as construções e limites para o crescimento - vertical e horizontal. Aprovada a legislação, a concessão da certidão do Habite-se é o último estágio para a consolidação da nova ordem urbanística. O documento atesta que a construção é regular, facilita a obtenção do título de propriedade, permite que o imóvel seja inscrito no Registro Geral de Imóveis (RGI) e seja vendido legalmente.
Deixar de viver na ilegalidade significa muito para mim e para todos os moradores da comunidade", diz. Com 843 domicílios e cerca de 2, 5 mil habitantes, a Quinta do Caju, situada na zona portuária, foi uma das cinco primeiras favelas da capital fluminense. No início do século XIX, era uma quinta à beira da praia do Caju e, por indicação médica, dom João VI chegou a banhar-se ali algumas vezes. Nessas ocasiões, o rei freqüentava a casa da família Tavares Guerra, hoje Museu da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb).
Os primeiros habitantes da praia eram pescadores portugueses. Suas casas foram construídas na orla e havia um caminho que circundava o morro, a atual Rua Circular. Como se vê, muita coisa mudou. Primeiro para pior. Mais recentemente para melhor. A área foi se degradando com o passar dos anos e se tornou um ambiente insalubre. "Antes das obras de urbanização, havia uma vala na porta da minha casa.
Nos últimos anos, nossa qualidade de vida deu um salto muito grande. Somos mais respeitados", diz Ida Marquechi Medina, de 86 anos, uma das moradoras mais antigas da Quinta do Caju. Criado em 1997, o Pouso que atende à comunidade também cuida das favelas de Parque Conquista, Parque São Sebastião, Vila Clemente Ferreira, Ladeira dos Funcionários e Parque Boa Esperança.
Vista para o marNa comunidade de Morro Azul, no Flamengo, há outro posto. O aglomerado de casebres começou a se formar por volta de 1936, quando famílias chegaram do Nordeste e de outros municípios do Rio de Janeiro em busca de trabalho e se instalaram ali. Não havia energia elétrica. Muito menos água encanada. Só mato e lama. O morro sofreu um incêndio em 1957 e a comunidade foi ameaçada pelas obras do metrô nos anos 70, mas terminou por se consolidar. Hoje, com 332 domicílios, abriga cerca de 990 moradores. A costureira Francisca Balduíno Pinto, de 66 anos, 21 na comunidade, mora com a família numa casa de quatro pavimentos, cuja cobertura foi reformada recentemente com o apoio dos técnicos do Pouso. A vista que a família Balduíno Pinto tem da praia do Flamengo, lá de cima, é de fazer inveja a muitos moradores de apartamentos da zona sul carioca. "Nossa realidade mudou muito.
Quando preciso realizar alguma obra em minha casa, a primeira coisa que faço é procurar o Pouso, onde sou bem recebida", diz dona Zula, apelido pelo qual a costureira é mais conhecida. O Pouso não realiza obras. Oferece orientação técnica para quem deseja erguer ou reformar sua casa. Também não mantém um programa habitacional. Promove a regularização urbanística. Mas isso não impede que seus funcionários sirvam de ponte entre os moradores e o programa de Crédito Direto ao Consumidor para a Compra de Material de Construção (Credmac), da Caixa Econômica Federal. Trabalham na mobilização da comunidade 17 assistentes sociais, 17 agentes supervisores e 33 agentes comunitários - apenas três homens.
Até fevereiro de
2006, com o suporte do Posto de Orientação Urbanística e Social, 1,2
mil logradouros de 32 comunidades da capital fluminense haviam sido
legalizados
"A mulher enxerga a favela como uma extensão da sua casa", explica Tânia Castro, coordenadora
de regularização urbanística da Secretaria Municipal de Urbanismo e
idealizadora do Pouso. Há ainda 259 voluntários, moradores que zelam por
determinada área. Essa turma usa cartilhas ilustradas, de fácil
compreensão, para incentivar o respeito ao espaço público e ao ecolimite
(fronteira entre as favelas e as áreas verdes delimitada pelo governo
com cabos de aço e marcos de concreto), além de ensinar noções básicas
de saúde e higiene. " O morador tem de se envolver no processo. Ele
precisa entender o que está se passando. É um trabalho de inclusão
social, que estimula o exercício da cidadania", diz Tânia Castro.Dados da ONU mostram que o problema é mundial - No mundo, quase 1 bilhão de pessoas habitam zonas urbanas degradadas, e 31,6% da população urbana mundial é favelada. - O crescimento urbano nos países em desenvolvimento atinge a cifra de 1 milhão de pessoas por semana. Há 39 cidades com mais de 5 milhões de habitantes e 16 megalópoles abrigam mais de 10 milhões. - Em 2030, cerca de 3 bilhões de pessoas, ou 40% da população mundial, demandarão moradias e serviços de infra-estrutura. Isso significa que terão de ser construídas 96. 150 casas por dia, ou 4 mil por hora. - Até 2050 a situação tende a se agravar. A população mundial, hoje pouco superior a 6 bilhões de habitantes, deverá atingir 10 bilhões, com 90% dos nascimentos registrados em países pobres ou em desenvolvimento. |
Escritos recentes sobre o tema Quatro livros recém-lançados podem ser úteis para que se entenda a problemática das favelas na cidade do Rio de Janeiro: - A Invenção da Favela, da socióloga Licia Valladares, publicado pela Editora FGV, faz um passeio pela história para explicar a origem do preconceito em relação à população favelada. Conta, por exemplo, que o atual Morro da Providência, ocupado em 1897 por ex-combatentes da Guerra de Canudos que pressionavam o Ministério da Guerra a cumprir promessas feitas aos soldados, era chamado de Morro da Favella. E que jornais da época tratavam-no como uma peste a ser eliminada e aos moradores como criminosos. - Favelas Cariocas, de Maria Lais da Silva, publicado pela editora Contraponto, analisa o período de 1930 a 1964. Revela que a Rocinha não surgiu de uma invasão, mas de um loteamento autorizado pela prefeitura que acabou se expandindo devido à lentidão na regularização dos terrenos. - Favela, Alegria e Dor na Cidade, dos geógrafos Jailson de Souza e Silva e Jorge Luiz Barbosa, editado pelo Senac, mostra, entre outras coisas, que 43% dos imóveis do Rio, nos dias atuais, apresentam alguma irregularidade. E que as favelas da Rocinha, da Maré e do Alemão têm indicadores melhores do que a média do Nordeste no que diz respeito à alfabetização, ao acesso a água tratada, luz e esgoto. - Da Favela para o Mundo, de José Silva, um dos fundadores do Grupo Cultural Afro Reggae, ONG com experiência bem-sucedida no resgate de jovens envolvidos direta ou indiretamente com a marginalidade, publicado pela Ediouro. É um depoimento pessoal. |
"Considerando que as favelas são muito dinâmicas e mudam quase que diariamente, como política pública o Pouso ainda apresenta resultados pequenos", diz o arquiteto Itamar Silva, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e ex-presidente da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj). Os problemas, no entanto, não impedem que o movimento cresça. Cinco novos postos do Pouso deverão ser criados ainda neste primeiro semestre. "Enfrentamos muitos obstáculos.
Cinco novos postos do Pouso de vem ser inaugurados ainda neste ano
Não é fácil lidar com o tráfico, assim como mobilizar a população e
se inserir na rotina dos serviços públicos de manutenção. Mas o caminho
está traçado. E vamos seguir em frente realizando esse trabalho de
formiguinha", garante a arquiteta Tânia Castro. Ótimo. Outras boas
providências tomadas nessa área, na esfera federal, merecem registro: a
criação do Fundo de Desenvolvimento Social, com 500 milhões de reais
para serem destinados ao financiamento de projetos de investimento de
interesse social nas áreas de habitação popular; o lançamento do
Programa Especial de Habitação Popular, com financiamentos de 20 mil
reais, sem juros, para famílias pobres; e o aumento do investimento
público em saneamento.Mais: segundo dados da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, estão em pleno andamento processos de regularização fundiária solicitados por 352 mil famílias de 360 comunidades residentes em 134 municípios brasileiros. Moral da história: o problema é imenso, mas, enquanto a solução definitiva não chega, e ninguém sabe se ela virá algum dia, tem muita gente fazendo trabalho de formiguinha e melhorando a vida daqueles que foram empurrados para fora dos limites oficiais da cidade.
Índice de Desenvolvimento Humano da Cidade do Rio de Janeiro Os indicadores melhoraram, mas a situação piorou na comparação com outros municípios brasileiros entre 1991 e 2000 | ||||||
Ano | Classificação Nacional | IDH-M | Esperança de vida ao nascer (em anos) | Taxa de alfabetização de adultos (em %) | Taxa bruta de freqüência escolar (em %) | Renda per capita de 2000 (em R$) |
1991 | 24 | 0,797 | 67,85 | 93,90 | 78,18 | 446,67 |
2000 | 60 | 0,842 | 70,26 | 95,59 | 88,62 | 596,65 |
As habitações
irregulares respondem por 40% das construções no Rio de Janeiro; e 19%
da população carioca vive nos morros. É impossível ignorar as favelas
Esta reportagem está sob o rótulo Melhores Práticas por trazer algo
novo, a informação sobre uma experiência de sucesso: o Posto de
Orientação Urbanística e Social (Pouso), da Secretaria Municipal de
Urbanismo do Rio de Janeiro, que atua em 60 favelas, alcança 58 mil
domicílios e cerca de 250 mil pessoas. Em dezembro passado, o programa
recebeu o Prêmio Medellín no 1º Concurso Latino-Americano e do Caribe
para a Transferência de Boas Práticas, organizado pela Fundação Hábitat
Colômbia em parceria com a prefeitura de Medellín e com o Fórum
Ibero-Americano e do Caribe sobre Melhores Práticas.E a experiência deve ser replicada também no Peru. No ano passado, o ministro da Habitação, Construção e Saneamento do país, Carlos Bruce, visitou o Morro do Borel, e a comunidade Quinta do Caju - ambos beneficiados pelo Pouso. "Esse trabalho é magnífico por sua grandiosidade e complexidade, e vai mudar completamente o perfil da favela, facilitando o dia-a-dia de seus moradores. Meu objetivo é levar essa experiência bem-sucedida para meu país", disse na ocasião.
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