O quadro atual dos conflitos no mundo revela a volta da onda, que emergiu da II Guerra Mundial e levou os EUA à hegemonia global. Ela começa a recuar pressionada por novos atores poderosos, alguns deles velada ou ostensivamente antagônicos aos EUA e com os quais este último terá de compartilhar espaços e poder.
Ao final da primeira década do século XXI, ficou evidente que os EUA já não podiam impor a um custo suportável, isolada e rapidamente seus interesses em todo mundo, condição que desfrutaram por duas décadas após a queda da União Soviética. Os EUA também encontram dificuldade crescente para empregar a OTAN em ações globais, seja pela falta de consenso quanto às ameaças seja pela impossibilidade econômica de seus aliados sustentarem operações militares distantes e de grande envergadura.
Há, ainda, a ascensão da China e sua projeção em todos os continentes, limitando progressivamente a liberdade de ação da outrora potência hegemônica. Portanto, a capacidade político-militar norte-americana de assegurar o acesso a regiões com relevante posição geoestratégica e detentoras de recursos vitais, situadas “do lado de lá do mundo”, como o Oriente Médio, a África e a Ásia Central, vai sendo reduzida.
Assim, aumentará a necessidade dos EUA garantirem o acesso a regiões “do lado de cá do mundo” com aqueles atrativos, leia-se América do Sul e Atlântico Sul, para o que empregarão seu poder militar se for preciso. Ao mesmo tempo, interessa-lhes limitar a projeção e influência de potências extra-regionais que possam tolher sua liberdade de ação nas áreas mencionadas.
Hoje, espaços dessas regiões de tradicional influência norte-americana já estão sendo disputados pela China e, em sua esteira, virão a Rússia e a Índia. Como reagirão os EUA, altamente dependentes de recursos naturais, ante a presença de poderosos rivais cada vez mais próximos de seu território, experiência vivida apenas em 1962 na crise dos mísseis da então URSS em Cuba?
O mundo não é o mesmo e as estratégias não serão as mesmas, mas os EUA não ficarão de braços cruzados. Em sua expansão, a China ocupa espaços também cobiçados pelo Brasil, inclusive em áreas da cooperação militar, pois nossa indigência bélica, fruto do descaso de sucessivos governos, não nos deixa muito a oferecer. Perdem-se excelentes oportunidades para gerar empregos, receita comercial e desenvolvimento industrial e científico-tecnológico e consolidar vínculos com a América do Sul e a África.
Entre a águia e o dragão está o Brasil com sua aspiração pela liderança regional e seus interesses no Atlântico Sul. A disputa de poder no entorno estratégico brasileiro deveria ter motivado providências, há muito tempo, antes de o cenário de risco estar delineado de maneira tão clara. Política exterior engloba diplomacia e defesa e estes setores do Estado não podem esperar uma ameaça passar de possível a provável para então buscar os meios de neutralizá-la.
Defesa não se improvisa! Um forte poder militar confere maior robustez à política exterior, atrai alianças, dissuade ameaças e desagrava afrontas. Para alcançar tal status o governo deveria ter vontade política de queimar etapas, priorizando e fixando o investimento em defesa, e coragem para enfrentar desafios.
O Brasil amargará a perda de oportunidades e patrimônio, no campo material, e de auto-estima e dignidade, no imaterial, pois será incapaz de reagir a pressões político-militares alienígenas, se não estiver no nível das maiores potências militares no lapso de uma década. A globalização, o desenvolvimento nacional e a projeção internacional colocaram o País, outrora periférico, no eixo dos conflitos entre as potências.
As Forças Armadas (FA) procuraram, em vão, sensibilizar a liderança nacional sobre a importância de fortalecer o poder militar. A resposta foi o descaso hoje camuflado por um discurso inconsequente, pois de prático pouco se faz, e tardio, pela incerteza quanto à possibilidade de recuperar o tempo perdido.
Em 2011, mais uma vez, postergou-se a aquisição de aviões de caça para a Força Aérea, que se arrasta há mais de uma década, e houve um forte contingenciamento no orçamento de defesa, com prejuízo do desenvolvimento do submarino nuclear e de projetos do Exército.
A relevância das FA para a liderança nacional resume-se a missões de paz, apoio às obras do PAC e participação na segurança pública e defesa civil, ou seja, no que é marketing para o governo. Há um descaso com o equipamento e o preparo para a defesa da Pátria, prioridade, razão de ser e identidade de qualquer força armada.
Mas o descaso é também com a profissão e o militar como mostra a crescente defasagem salarial que rebaixa a carreira das armas em relação a outras de Estado e do serviço público. O chefe militar manifesta essas preocupações pela cadeia de comando, como é sua obrigação.
À presidente da República, comandante supremo das FA, cabe preservar a relevância dessas Instituições, obrigação moral e funcional de quem sabe que elas não abrem mão do compromisso com a Nação, o dever e a disciplina e que os instrumentos de pressão de outros segmentos da sociedade são inadmissíveis nas Forças Armadas.
Um levantamento reservado com uma detalhada radiografia das Forças Armadas brasileiras mostra o sucateamento do equipamento militar do país. Explicita também as conhecidas distorções na distribuição de tropas no território nacional, confrontando o discurso oficial de que a Amazônia é uma prioridade. O estudo ao qual a Folha teve acesso é produzido pelo Ministério da Defesa e atualizado todo mês. Ele mostra que metade dos principais armamentos do país, como blindados, aviões e navios, está indisponível para uso.
O levantamento é usado provisoriamente pelo governo, enquanto não é elaborado o chamado “Livro Branco”, que trará, segundo decreto assinado neste ano, todo esse diagnóstico. O livreto obtido pela Folha tem 76 páginas e traz dados orçamentários, operacionais e de pessoal que são difíceis de encontrar com esse grau de detalhe.
Quando alguém precisa elaborar comparações com outros países, como fez a Folha em sua edição de 20 de fevereiro, a praxe é buscar fontes externas -confiáveis, mas não tão detalhadas. O documento usado nesta reportagem traz um inventário dos chamados meios de cada Força, ou seja, os principais equipamentos para uso em guerra.
O resultado dá argumentos aos defensores do reequipamento militar, um processo caro, demorado e que costuma esbarrar em obstáculos como pressões políticas.
O caso da Marinha é paradoxal. Especialistas consideram a Força a mais bem aparelhada, mas 132 dos seus 318 principais equipamentos estão parados. Metade dos 98 navios está no estaleiro. A aviação naval é figurativa: apenas 2 de seus 23 caças voam, e só para treino. Isso no fim de 2010 -hoje, só um funciona. O porta-aviões São Paulo ficou anos parado e agora está em testes.
DEFICIÊNCIA CRÔNICA
O Exército contribui para que o resultado geral de disponibilidade de meios atinja ilusórios 68% -isso porque a Defesa coloca na conta as “viaturas sobre rodas”, que basicamente são quaisquer veículos. Dessas, 5.318 das 6.982 estão funcionando. Dos 1.953 blindados do Exército, só metade está à disposição. Metade dos helicópteros está no chão, isso sem contar a deficiência crônica de defesa Aérea, maior fragilidade militar do país.
Por fim, a Força Aérea tem indisponíveis 357 dos seus 789 meios, que incluem 48 lançadores portáteis de mísseis, todos funcionando. O governo avalia ter 85 dos seus 208 caças disponíveis, o que parece algo otimista. Seja como for, a renovação da frota de combate, unificada em um modelo, está postergada novamente por causa de cortes orçamentários.
Fica também explícito um problema que a Estratégia Nacional de Defesa editada em 2008 promete combater. Na Estratégia, a Amazônia aparece como prioridade do Exército. Só que a disposição das tropas ainda reflete a ideia de que o país um dia poderia entrar em guerra com sua antiga rival, a Argentina, hoje longe de representar uma ameaça militar. A região Sul concentra 25% das Forças terrestres do Brasil, enquanto a área amazônica só tem 13% do efetivo. Outros 23% estão estacionados na área do Comando Militar do Leste, no Rio.
A concentração no Rio também é perceptível no poderio aéreo. Nada menos que um terço do efetivo da FAB está por lá, enquanto a enorme região Norte não soma 15% com dois comandos aéreos separados.
A Marinha também está baseada no Rio, de forma avassaladora: 71% do efetivo está lá. Há planos para criação de uma segunda esquadra no Nordeste e no Norte.
Essa concentração no Rio é uma herança dos tempos em que a cidade centralizava o poder no país.
ASSIMETRIA
A Estratégia critica essa assimetria na disposição geográfica das tropas, mas a mudança depende de vontade política e de recursos cuja justificativa sempre é difícil num país de tradição pacífica e cheio de problemas sociais.
Por fim, o mapa lembra também detalhes do comprometimento financeiro. Em outubro de 2010, o governo gastou quase igualmente com pessoal ativo, aposentados e pensionistas, somando uma folha salarial de R$ 2,9 bilhões naquele mês. No Orçamento de 2011, antes do corte anunciado recentemente pelo governo, a despesa com pessoal representava 72% do gasto total.
Ainda sobre pessoal, destaca-se a alta proporção de oficiais-generais. Há um deles para cada 971 homens. No mais poderoso exército do mundo, o americano, esse número salta para um para cada 1.400 soldados.
ANÁLISE DEFESA: Despreparo militar marca história do país
Num mundo de comunicação rápida, onde conflitos surgem a toda hora, falta de prontidão é receita de fracasso
Despreparo crônico em tempo de paz e, portanto, no começo de conflitos, é uma constante na história militar luso-brasileira. Por que seria diferente em pleno século 21? No passado, houve tempo para as Forças Armadas “pegarem no tranco” e terminarem bem-sucedidas em combate. Mas em um mundo de comunicações rápidas, de mísseis balísticos, de guerra eletrônica, essa tradicional demora na prontidão é uma receita perfeita para o fracasso.
Uma rara exceção no despreparo das Forças são as chamadas tropas de “pronto emprego” ou “ação rápida”. São núcleos de excelência que podem agir em emergências pontuais, como a aviação do Exército, os paraquedistas, os fuzileiros navais, os batalhões de selva. Um bom exemplo foi a rápida e eficiente reação em 1991, após guerrilheiros colombianos atacarem um posto de fronteira no rio Traíra e matarem três militares.
Em 1711, o francês René Duguay-Trouin tomou o Rio de Janeiro em ousado golpe. A cidade estava despreparada. Reforços vieram do interior -rapidamente, para os padrões da época-, mas já era tarde demais. Em 1808, os franceses tomam Portugal e a família real foge para o Brasil -mas o comboio precisou de escolta da Marinha britânica. Na guerra com a Argentina pela província Cisplatina (Uruguai), de 1825 a 1828, o Brasil começou colhendo fracassos, até se afirmar -principalmente no mar- e terminar o conflito em “empate”.
O exército paraguaio estava mais preparado que o brasileiro e até invadiu território do país na Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870). A falta de preparo inicial levou a cinco anos de guerra. Em 1897 em Canudos, Bahia, o Exército também sofreu derrotas para os “jagunços” do líder religioso Antonio Conselheiro e mostrou sérias falhas de logística. Não havia tropas bem treinadas e equipadas para participar da Primeira Guerra Mundial (1914-1918); a Revolução Constitucionalista de 1932 foi uma série de improvisos do início ao fim pelos dois lados.
O Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) em agosto de 1942, mas só em julho de 1944 a Força Expedicionária Brasileira desembarcou na Itália -e, mesmo assim, era apenas uma das três divisões de infantaria inicialmente planejadas, e seu armamento era todo de origem americana.
As Forças Armadas do país têm operado bem em missões de paz ou na recente ajuda à polícia do Rio. Mas, como demonstrou o terremoto no Haiti, foi a rápida intervenção dos EUA que evitou uma tragédia ainda maior
Mesmo com tantas controvercias A confiança da população nas instituições sofreu mudança importante no último trimestre. É o que revela pesquisa do Índice de Confiança na Justiça (ICJ Brasil), produzido pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP). As Forças Armadas ficaram em primeiro lugar, com 66% da preferência dos entrevistados. Em segundo, apareceu a Igreja, com 54%, seguida pelas emissoras de TV (44%).
O Judiciário ficou em situação desconfortável, empatado com a polícia e à frente apenas do Congresso e dos partidos políticos.
Para Luciana Gross Cunha, professora da Escola de Direito da FGV-SP e coordenadora do ICJ Brasil, a controvérsia sobre o aborto travada entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais pesou decisivamente para o aumento do índice de confiança na Igreja, que subiu do 7º para o 2º lugar. “A Igreja estava em um grau baixo de avaliação quando foi feita a apuração no segundo trimestre, muito perto da crise envolvendo a instituição com denúncias de pedofilia”, observa Luciana. “A última fase da coleta coincidiu com a discussão sobre o aborto nas eleições presidenciais. Isso fez a diferença.”
Já a confiança nos partidos políticos despencou de 21% para 8% no mesmo período de eleições, mantendo-se em última posição na escala. Apenas 33% disseram que o Judiciário é confiável. O Congresso ficou com 20%. As outras instituições obtiveram os seguintes resultados: Grandes Empresas (44%), governo federal (41%), emissoras de TV (44%) e imprensa escrita (41%).
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