Milhares de brasileiros morriam por varíola, febre amarela e peste bubônica quando o Instituto Soroterápico Federal - que mais tarde daria origem à Fundação Oswaldo Cruz - foi criado em 1900 para combater estas e outras doenças que assolavam o país. Passados 104 anos (completados nesta terça-feira), as enfermidades mais preocupantes mudaram, mas o propósito da atual Fiocruz permanece: transformar a realidade da saúde brasileira através da pesquisa, da inovação tecnológica e da ação social. A produção de vacinas, que é a mais antiga e conhecida realização da Fundação, hoje divide espaço com a produção de medicamentos e a pesquisa de temas tão diversos quanto a violência doméstica, o transplante de células-tronco e o estudo da Aids, resultado da atividade de 15 unidades de pesquisa científica que fazem da Fiocruz a mais importante instituição biomédica da América Latina.
"A cada momento aceitamos novos desafios, como agora a participação na implementação do
programa Farmácia Popular do Brasil", comemora o presidente da Fundação, Paulo Buss. "Muito me orgulha poder vivenciar a força institucional da Fiocruz, o compromisso dos nossos servidores, seu renovado vigor na produção de conhecimento científico e de tecnologias e as contribuições à sociedade em forma de bens e serviços. São 104 anos trabalhando com transparência a serviço da saúde do povo brasileiro".
programa Farmácia Popular do Brasil", comemora o presidente da Fundação, Paulo Buss. "Muito me orgulha poder vivenciar a força institucional da Fiocruz, o compromisso dos nossos servidores, seu renovado vigor na produção de conhecimento científico e de tecnologias e as contribuições à sociedade em forma de bens e serviços. São 104 anos trabalhando com transparência a serviço da saúde do povo brasileiro".
Uma história que se confunde com a trajetória do país
A Fiocruz surgiu como Instituto Soroterápico Federal (ISF) em 25 de maio de 1900 com a meta de desenvolver vacinas e soros para as doenças que afastavam os navios estrangeiros dos portos brasileiros, causando prejuízos incalculáveis ao comércio internacional. O Instituto foi fundado pelo barão de Pedro Afonso, um famoso cirurgião carioca que desde 1894 dirigia o Instituto Vacínico Municipal, voltado para a obtenção de soros contra a peste bubônica. O local escolhido era uma fazenda desapropriada pelo governo no bairro de Manguinhos, no Rio de Janeiro, onde mais tarde seria construído o Castelo Mourisco, até hoje símbolo e sede da Fiocruz.
Por indicação do cientista francês Louis Pasteur, que pela primeira vez relacionara micróbios e condições de higiene à ocorrência de doenças, o bacteriologista paulistano Oswaldo Gonçalves Cruz assumiu a direção técnica do ISF. Logo ele e o barão de Pedro Afonso se desentenderiam e ambos pediriam demissão. O governo federal, no entanto, elegeu Oswaldo Cruz como novo diretor do Instituto em 1902 e, no ano seguinte, promoveu-o a diretor-geral de Saúde Pública, cargo que hoje corresponderia ao de ministro da Saúde. Sua incumbência era sanear a capital e erradicar as três principais doenças do país: varíola, febre amarela e peste bubônica.
Ao assumir a direção do Instituto Soroterápico Federal, Oswaldo Cruz deu início à construção de novas instalações para as pesquisas, que eram feitas precariamente nas antigas casas de fazenda. Assim surgiu o que hoje é o conjunto histórico de Manguinhos, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1984: o prédio da Cavalariça, onde eram mantidos cavalos inoculados para a produção do soro anti-pestoso; o Pavilhão da Peste, onde o soro era fabricado a partir dos anticorpos produzidos pelos cobaias; e, finalmente, o Castelo Mourisco, obra que Oswaldo Cruz idealizou como um símbolo da ciência brasileira, mas que viu inacabada. Ele morreu um ano antes do final da construção, em 1918.
O primeiro foco da ação de Oswaldo Cruz foi a erradicação da peste bubônica, através do extermínio de ratos, vetores da doença. Em seguida o sanitarista desvendou a então misteriosa febre amarela, com a inovadora tese de que a doença era transmitida por mosquitos. Assim surgiram os esquadrões de mata-mosquitos, cujo poder de invadir casas para eliminar os focos do inseto renderam a Oswaldo Cruz impopularidade que cresceu ainda mais quando convenceu o presidente Rodrigues Alves a tornar obrigatória a vacinação durante um surto de varíola. O episódio deu início à rebelião popular conhecida como Revolta da Vacina, em 1904. Em reconhecimento ao sucesso no saneamento do Rio, Oswaldo Cruz recebeu medalha de ouro no 14º Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim.
O ISF foi transformado em Instituto Oswaldo Cruz (IOC) em 1908 pelo presidente Afonso Penna. Oswaldo Cruz deixa a Diretoria-Geral de Saúde Pública, assumindo exclusivamente a direção do Instituto e dando início a uma série de expedições científicas pelo interior do Brasil, saneando lugares inóspitos como a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em plena selva amazônica, conhecida como Ferrovia da Morte devido ao grande número de trabalhadores que morreram por febre amarela durante sua construção. Em outra expedição, desta vez ao interior de Minas Gerais, foi descoberta a doença de Chagas, que leva o nome do cientista pioneiro em seu estudo, Carlos Chagas, discípulo de Oswaldo Cruz.
Com a Revolução de 30, o IOC perdeu autonomia, tornando-se subordinado ao recém-criado Ministério da Educação e Saúde Pública. Nas décadas seguintes seus pesquisadores confrontaram as diretrizes do Ministério, que priorizavam a produção de soros e vacinas, com a defesa da pesquisa e da criação de um Ministério da Ciência. O Instituto se tornou Fundação Oswaldo Cruz em 1970, quando aconteceu a expulsão de pesquisadores que discordavam ideologicamente do governo militar, episódio que ficou conhecido como Massacre de Manguinhos. A Fiocruz ressurge na década de 1980 com o estabelecimento do sistema democrático, com a reintegração dos pesquisadores cassados e a criação do Estatuto da Fiocruz, documento reconhecido pelo presidente da República em 2003 e que institui a eleição direta pelos funcionários do presidente da instituição e dos diretores de seus centros e unidades.
A Fiocruz hoje: pesquisa, assistência, ensino e tecnologia
Se a Fiocruz se firmou na figura pioneira de Oswaldo Cruz, hoje ela é obra de mais de sete mil pesquisadores e funcionários que trabalham em prol da saúde, da tecnologia e da cidadania. O instituto criado para fabricar vacinas não abandonou a meta inicial e se tornou o maior produtor de imunobiológicos da América Latina, mas, sempre com uma visão integral do homem e da ciência, a Fundação busca uma relação estreita entre pesquisa, assistência, ensino e inovação tecnológica, oferecendo serviços hospitalares e ambulatoriais que são referência em âmbito nacional e internacional, ensino especializado em saúde e projetos sociais que educam e profissionalizam 1.700 pessoas em situação de risco social.
A transformação dos resultados da pesquisa básica em produtos de saúde que atendam a realidade brasileira é uma prioridade, assim como mapear esta realidade através do levantamento de informações sobre a saúde nacional que servem como base para a formulação de novas propostas de políticas sanitárias. Com recursos tecnológicos de última geração, a Fiocruz mantém 60 laboratórios de referência nacional que desenvolvem pesquisas em Aids, cólera, doença de Chagas, esquistossomose, febre amarela, hepatite, malária, tuberculose e outras 50 doenças, com destaque para aquelas ditas "negligenciadas", assim chamadas porque não costumam despertar o interesse comercial de laboratórios privados por acometerem sobretudo populações carentes. A Fiocruz também abriga o principal órgão do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária: o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), que atua em parceria com os serviços de vigilância sanitária estaduais e municipais avaliando a cada ano a qualidade de cerca de cinco mil produtos comercializados em todo o Brasil, entre alimentos, remédios e cosméticos.
A produção de vacinas e medicamentos é uma das vertentes da Fiocruz mais presente na vida da população. A fábrica de vacinas, Bio-Manguinhos, fornece mais de 200 milhões de doses de vacinas ao ano, o que representa cerca de 60% da demanda do programas públicos de imunização, e ainda ocupa o posto de maior produtor mundial da vacina contra a febre amarela, suprindo a demanda das Nações Unidas, do Unicef e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Produz, ainda, dois milhões de reativos usados para o teste de diagnóstico para doenças como Aids e dengue. Já a fábrica de medicamentos, Far-Manguinhos, tem capacidade para produzir anualmente um bilhão de unidades farmacêuticas e hoje é responsável pela fabricação de sete dos 15 medicamentos do coquetel anti-Aids distribuídos para 100 mil pacientes de todo o país, além de fornecer 70 medicamentos essenciais para o Sistema Único de Saúde (SUS).
No atendimento direto à população, a Fiocruz realiza 230 mil consultas médicas e 60 mil análises laboratoriais por ano, além de manter programas especiais de acompanhamento para pacientes com doenças infecciosas, como tuberculose, leishmaniose e Aids. Apenas na sede da Fiocruz, em Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro, são atendidos 50 mil moradores das comunidades carentes do entorno. No Instituto Fernandes Figueira (IFF), centro de excelência no atendimento a gestações de risco e no estudo da saúde da criança e da mulher, a Fiocruz mantém um banco de leite humano pioneiro, que deu origem à criação da Rede Nacional de Bancos de Leite Humano, hoje com 170 associados, e à primeira legislação federal sobre o tema.
Sempre com o objetivo de preparar profissionais qualificados para o trabalho em ciência e tecnologia, o sistema de ensino em saúde da Fiocruz oferece 16 mil vagas todos os anos para alunos de nível médio e de pós-graduação. O resultado é a produção de mais duas mil teses de mestrado e doutorado desde 1980. E para que o avanço científico ultrapasse os muros da Fundação, a Fiocruz mantém uma editora, que alcançou a marca dos cem livros publicados; um sistema de bibliotecas especializadas que disponibilizam cem mil títulos; e o Canal Saúde, que veicula mais de mil horas por ano de programas de televisão abordando temas de saúde e prevenção. Além disso, a Fiocruz mantém a mais antiga e respeitada publicação científica na área biomédica da América Latina, a revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, que ocupa a quarta posição entre as referências mais citadas nos trabalhos da área de medicina tropical em todo o mundo. Outra preocupação fundamental é a preservação da memória da instituição e da saúde brasileira através da pesquisa e da documentação.
A Fiocruz não está presente apenas em suas 15 unidades, nas cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Manaus e Curitiba, onde mantém o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) em parceria o governo do estado. Está presente em cada brasileiro, através das vacinas produzidas em suas fábricas, e também no exterior, por meio de acordos de cooperação científica firmados com 26 países. Como sinal de que a instituição não pára de se renovar, uma das mais jovens unidades da Fiocruz, o Museu da Vida, completa cinco anos na mesma data dos 104 da Fundação, promovendo o simpósio Ciência e Arte.
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