O equilíbrio do clima pode ser abalado pela ação humana? Se pode, quanto?
Nesse caso, o que fazer? Saiba por que os estudiosos ainda não chegaram a um acordo.
Há dez anos, os cientistas acordaram para o perigo de um superaquecimento do planeta provocado pela ação humana. A concentração de dióxido de carbono (gás carbônico ou CO2) no ar vinha crescendo e isso poderia implicar numa elevação da temperatura. Ele agravaria ainda mais o chamado efeito estufa, a concentração de certos gases na atmosfera, que impedem a dissipação do calor que vem da Terra.
Um esclarecimento: existe hoje uma certa histeria em torno do efeito estufa, como se ele tivesse sido inventado anteontem, ou como se os mares fossem entrar em ebulição depois de amanhã. Na verdade, ele acontece há bilhões de anos, impede o planeta de virar uma pedra congelada (ele seria exatos 33 ºC mais frio) e o gás mais importante nesse processo o vapor dágua tem um ciclo que não depende do homem.
O CO2 também contribui, embora em medida menor. Determinar a relação que há entre a emissão desse gás e o clima na Terra é muito difícil mas, mesmo assim, vários pesquisadores começaram, no fim dos anos 80, a associá-lo a um futuro mais quente. Em abril passado, representantes de 170 países reuniram-se em Berlim, Alemanha, para tentar responder à pergunta: afinal, vai mesmo esquentar? A SUPER foi a Berlim, acompanhou a Conferência sobre o Clima e ouviu alguns dos maiores especialistas do mundo. A seguir, você vai entender o que ainda é mistério, o que é fato, o que é exagero e o que é destempero de alarmistas na discussão sobre o equilíbrio do clima.
A imprensa sensacionalista gosta de exageros: milhões morrendo de sede, os gelos da Antártida derretendo e inundando meio mundo. Cuidado: não é preciso uma mudança tão grande para prejudicar, e muito, a economia, a agricultura e o cotidiano. Um aumento de um ou dois graus na temperatura média global que hoje é de cerca de 15 oC transtornaria o mapa agrícola da Terra. Três graus a mais nos oceanos duplicariam o número de furacões. Ou seja: o homem pode pôr tudo a perder bem antes de as geleiras derreterem.
O problema é que os cientistas não concordam quanto à relação exata entre a ação humana e a elevação dos termômetros. Alguns, como o alemão Klaus Hasselmann, do Instituto de Meteorologia Max Plank, de Hamburgo,Alemanha , acreditam que a humanidade é o vilão. Para ele, há 95% de probabilidade de que o homem seja o principal responsável pelo aquecimento global. Outros, como o americano Richard Lindzen, do MIT (Massachusetts Institute of Technology, nos Estados Unidos), acham tudo isso um exagero. Para ele, não há uma prova científica definitiva das relações entre a produção humana de gases do efeito estufa e mais calor no planeta.
A ida e a volta dos cientistas sobre as complicações do clima aumentou com o tempo, para desespero dos ecologistas. Isso era previsível: quanto mais se aprende, mais dúvidas aparecem. Paira no ar um certo ceticismo: a catástrofe virá ou não virá?
Nos anos 80, criou-se um organismo internacional, o IPCC (sigla para Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, em inglês), reunindo especialistas com o aval da ONU e da Organização Meteorológica Mundial. O IPCC consolidou todas as informações científicas disponíves em um relatório publicado em 1990, onde se afirmava que a temperatura média aumentaria 0,3oC por década nos próximos 100 anos, se nada mudasse. Por isso, países como a Alemanha comprometeram-se, na época, a reduzir em 25% suas emissões de CO2 até 2005, tendo como base o ano de 1990.
Novos estudos, acumulados nos últimos cinco anos, mudaram o quadro: por que não está ficando mais quente, se a emissão de gases está aumentando? Quanto teria que crescer a concentração de CO2 para que o clima mudasse realmente? Como interagem os diversos gases? Em um documento do IPCC recém-divulgado na Grã-Bretanha, os climatologistas tentam explicar algumas discrepâncias, como você verá na próxima página. Mas a catástrofe parece adiada, ao menos por enquanto.
Climate Change 1994, um livro de 340 páginas, editado na Grã Bretanha pelo IPCC há poucas semanas, apresenta o que há de mais quente (sem trocadilho) na pesquisa científica atual: qual o efeito no clima de certas partículas sólidas (chamadas aerossóis), como a cinza de vulcões que ficam suspensas na alta atmosfera? Os prognósticos pessimistas mudam quando se incluem esses aerossóis no cenário? Para responder a essa questão, os cientistas traçam modelos que envolvem montanhas de cálculos e estatísticas feitos com auxílio de supercomputadores, com o objetivo de tentar prever o clima do mundo nos próximos anos.
O Climate Change traz uma boa notícia. Os aerossóis esfriam, e bastante, a temperatura. Eles podem aparecer como resultado da ação humana (queimar carvão, por exemplo, produz dióxido de enxofre, que reage com outros gases, criando partículas suspensas), ou pela erupção de vulcões, como o Pinatubo , que explodiu nas Filipinas em 1991 lançando milhões de toneladas de cinzas no ar. Mas não se sabe ainda o quanto exatamente eles esfriam o planeta.
Às vezes, o efeito antiestufa dos aerossóis poderia chegar a superar a ação do gás carbônico, pelo menos em intervalos curtos de tempo e em regiões determinadas. Como seu papel na balança depende do tamanho das partículas, da sua composição química e de fatores como a umidade atmosférica local, prever seu efeito preciso, e em larga escala, ainda não foi possível.
É aí que entram outra vez os grandes fazedores de modelos. Um dos centros mais avançados do mundo fica na Grã-Bretanha: é o Hadley Centre. Seus pesquisadores montam projeções sobre tudo: desde a previsão do tempo no ano 2100, se a emissão de gás carbônico continuar como está, até o regime de chuvas pelo mundo nos próximos dez anos.
Em Berlim, o Hadley mostrou estudos para avaliar o papel dos aerossóis antropogênicos (produzidos pelo homem). Surpresa: em algumas regiões industriais, como o nordeste dos Estados Unidos, a temperatura cairia 7 graus em 20 anos, somente em função da capacidade dos aerossóis de refletir a energia vinda do Sol (o chamado efeito direto), caso o CO2 não estivesse presente.
Katrina, o furacão que em 2005 destruiu a cidade de Nova Orleans (EUA), não foi uma surpresa para os meteorologistas. Há muito eles sabem que a aceleração do aquecimento global está aumentando a violência dos fenômenos naturais. A Terra chegou ao ponto de não conseguir mais balancear as piruetas do clima. Assim, como já aconteceu no passado, diversos cenários novos podem aparecer: numa única estação, poderemos nos encontrar num ambiente tropical, ou no início de uma era de frio intenso.
A HERA DOS FURACÔES
Os norte-americanos não esquecerão agosto de 2005, mês em que o furacão Katrina arrasou a cidade de Nova Orleans: uma catástrofe climática sem precedentes na história dos Estados Unidos. Tratava-se, no entanto, de uma tragédia anunciada. Já no início daquele ano os centros de meteorologia do país avisavam que a temporada de furacões de 2005 seria particularmente intensa. Katrina, por sinal, foi apenas um dos vários ciclones que nos últimos anos varreram a costa sul dos Estados Unidos. O que está acontecendo com o clima nestes primeiros anos do século 21?
Uma primeira resposta chega do prestigioso Massachusetts Institute of Technology, cujos cientistas descobriram uma clara conexão entre o aquecimento global e o aumento da violência dos ciclones tropicais. Segundo esses estudos, nos últimos 30 anos o potencial destrutivo dos furacões atlânticos aumentou em 50%. Também alarmantes são as recentes simulações do National Oceanic and Atmospheric Administration (Noaa), que prevêem para o futuro furacões cada vez mais intensos e numerosos como conseqüência do aquecimento global.
Uma pesquisa do Georgia Institute of Technology mostra que, nos últimos 35 anos, a freqüência dos furacões mais violentos praticamente dobrou em relação ao último século. Não apenas: nos anos 70, somente 20% dos furacões atingiam os níveis de força 4 e 5, os mais altos (veja o quadro). Mas, nos últimos dez anos, esses furacões se tornaram 35% do total.
A culpa, em princípio, é da temperatura da Terra que não pára de subir. Mas as temperaturas do planeta estão subindo há mais de cem anos. Por que, então, só nos últimos anos, e de repente, os ciclones tropicais parecem ter se tornado mais violentos e destruidores?
O mundo ta de olho..
Uma pesquisa, realizada pelo grupo Ipsos a pedido da seguradora Axa, deixa claro que o tempo de dúvidas sobre as mudanças climáticas está ficando para trás, já que as pessoas estão vendo com os próprios olhos as transformações climáticas ao seu redor.
Das 13.500 pessoas ouvidas, 90% acreditam que o clima se transformou nos últimos 20 anos. Citando os efeitos mais claros dessa mudança, os entrevistados mencionaram alterações no padrão de chuva levando a enchentes (83%), o aumento das temperaturas (80%) e secas (78%).
A pesquisa foi conduzida nos seguintes países: Alemanha, Bélgica, Espanha, Estados Unidos, França, Hong Kong, Indonésia, Itália, Japão, México, Suíça e Turquia.
Com mais de 95% de aceitação, México, Hong Kong, Indonésia e Turquia foram as nações nas quais mais pessoas se dizem convencidas da realidade das mudanças climáticas. Mesmo nos Estados Unidos, onde os céticos possuem grande influência, 72% dizem que o clima está mudando.
A pesquisa revelou que a percepção das mudanças climáticas não é tão afetada por critérios socioeconômicos e sim pela localização geográfica. Os países tropicais, onde mais pessoas estão vulneráveis aos eventos climáticos extremos, mostram uma maior aceitação do que os europeus, por exemplo.
Para 75% dos entrevistados, já existem provas científicas das mudanças climáticas, sendo que, novamente, essa porcentagem sobe em regiões mais frequentemente afetadas por eventos extremos. Porém, mesmo em países onde a presença de céticos é maior, muitos já consideram que o aquecimento global está comprovado. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa fatia foi de 35% das pessoas.
A porcentagem dos que acreditam que a ciência já validou as mudanças climáticas é maior entre os jovens de 18 a 24 anos, 87%, e entre os com maior escolaridade, 79%.
Quando a questão é se o aquecimento global é resultado das atividades humanas, os países com mais pessoas que responderam sim foram Hong Kong (94%), Indonésia (93%), México (92%) e Alemanha (87%). As porcentagens foram menores, mas ainda acima da metade dos entrevistados, no Japão (78%), Reino Unido (65%) e Estados Unidos (58%).
No total, 82% dos entrevistados concordam que as mudanças climáticas são causadas pela humanidade e apenas 18% creem que o fenômeno seja resultado de fatores naturais.
Quanto às consequências sociais do aquecimento global, os entrevistados se mostraram bastante conscientes. Os efeitos mais citados foram os conflitos por comida e água (61%), a disseminação de doenças (57%) e as migrações humanas (54%).
Assim, a preocupação com as mudanças climáticas já aparece como algo que incomoda a maioria das pessoas. Quase 90% delas afirmaram que pensam no problema e 42% se dizem muito preocupadas.
Um em cada três entrevistados afirmou que as consequências do fenômeno já possuem impacto em seu conforto pessoal e outros 34% dizem que devem ser afetados em breve.
Além disso, 20% acreditam que as mudanças climáticas já prejudicam sua saúde, sendo que essa porcentagem chega a 47% na Turquia e Indonésia. Apenas 10% dos entrevistados dizem não enxergar as transformações no clima como uma ameaça para a saúde.
De uma forma geral, a pesquisa revela que as pessoas são otimistas quanto à possibilidade de soluções para as consequências das mudanças climáticas. Dos entrevistados, 89% dos Europeus, 78% dos norte-americanos e 84% dos asiáticos estão convencidos de que soluções existem.
Surpreendentemente, mesmo em países em desenvolvimento, a maioria das pessoas acredita que todos os governos devem agir para lidar com o problema.
Para 83% dos entrevistados, todos os países devem assumir esforços semelhantes, não importando o estágio de desenvolvimento. Apenas 17% acreditam que somente as nações ricas devem tentar resolver o problema.
Entretanto, quando perguntados quem deve ser mais responsável, os entrevistados colocam em primeiro lugar as nações ricas (92%), seguidas pelo setor de comércio e indústria (92%), economias emergentes (89%) e organizações internacionais como a ONU (87%). A importância de ações individuais aparece com 83%, os países em desenvolvimento com 79% e ONGs com 78%.
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