Já escrevi alhures que fui criado dentro dos mais modernos princípios da psicologia infantil - dentre eles o de que certos medos são fundamentais na educação de uma criança .
Me lembro, por exemplo, do dia em que uma amiga da minha avó me deu um pacotinho de balas Soft - eu as amava - de variados sabores. Quando fui abrir - contentíssimo - a primeira bala , Tia Lita [ que detestava essa amiga da vó ] discursou pausadamente :
- Essa é a bala que costuma matar as crianças engasgadas. Outro dia li no jornal que é uma morte horrível; a criança não consegue respirar e não tem quem salve. Ontem mesmo morreu um garoto da sua idade perto do meu trabalho. Morrem, em média, vinte crianças por minuto dessa maneira no Brasil. Eu ouvi na Rádio Relógio. Sabe aonde essa bala foi inventada ? Quer que eu diga ? Na União Soviética. Foram os comunistas, que nunca gostaram de crianças vivas.
Pronto. Foi o suficiente para que eu tivesse apenas uma certeza na vida - morreria engasgado se comesse aquela bala. Vivi, desde então , o dilema profundo entre o prazer de chupar balas Soft e o risco de bater as botas engasgado, sem respirar, agonizando no meio da rua, na sala de aula, no recreio do colégio.
A bala, apesar de mortal, é tão boa que dá até barato (quando você fica sem respirar, começam a piscar aquelas luzes meio psicodélicas,muito doido!!!), fazendo com que ela seja muito usada em centros de reabilitação, mas sempre sob supervisão médica
- Abacaxi :
- Limão :
- Cereja :
- Tangerina :
- Morango
- Uva
- Café (especial) :
- Caramelo :
- Eucalipto mentol :
A bala, apesar de mortal, é tão boa que dá até barato (quando você fica sem respirar, começam a piscar aquelas luzes meio psicodélicas,muito doido!!!), fazendo com que ela seja muito usada em centros de reabilitação, mas sempre sob supervisão médica
Passei a ter, com aquelas balinhas coloridas, a mesma relação doentia que D. João VI tinha com os peixes. Apesar de adorar comê-los, D. João quase morreu engasgado com uma espinha durante um rega-bofe na Quinta da Boa Vista. Coube ao Visconde de Abrunhosa - que era médico de certo renome - livrar o augusto soberano do momento extremo. Desde então, Sua Alteza preferia fazer uma dietinha baseada em inocentes coxinhas de frango [ umas quarenta por dia ].
Quando contei uma vez esse meu dilema de antanho - chupar a bala gostosa x morrer por causa disso - a uma psicanalista, a doutora encarou o troço com seriedade e desfilou uma lenga-lenga interminável sobre as tensões entre Eros e Tânatos e os dilemas do homem dividido entre o prazer e a dor. Antes que a dona descobrisse em mim uma desconhecida propensão a dar o brioco, cortei o assunto e passei a falar do sequestro do menino Carlinhos e do amor entre Dona Redonda e Seu Encolheu na novela Saramandaia ( é uma forma clássica e educada que tenho de dizer não fode).
Hoje - mais maduro - reflito sobre as balas Soft e concluo que elas tinham para mim um significado parecido com a Konga, a mulher gorila. Ao mesmo tempo em que a transformação da mulher em macaca era assustadora - e eu invariavelmente me empirulitava correndo - aquela cena da moça virando fera endurecia meu bilau infantil com rapidez.
De certa forma, caríssimos, esses são mesmo o únicos dilemas relevantes na vida de um cabra : Comemos as balas sob o forte risco do engasgo fatal ? Ficamos na sala esperando a Konga sair enfurecida em nossa direção para ver que bicho vai dar ?
Eu sempre fui, confesso, meio covarde, adepto da solução a D. João VI - entre o prazer de saborear o peixe e o risco da espinha, prefiro mesmo as inocentes coxinhas de frango.
Nenhum comentário:
Postar um comentário